Da vida real para o ecrã: de onde surgiu “The Watcher”?

O casal que inspirou Ryan Murphy a dar vida a esta produção confessa recusar-se a vê-la uma vez que consideraram o trailer «suficientemente assustador».

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A mini-série “The Watcher” tem dado que falar. Esta é uma das mais recentes produções da parceria de Ryan Murphy com a plataforma Netflix, que resultou em sete episódios de um thriller cativante sobre um casal com dois filhos que compra uma casa na pequena cidade de Westfield, a 657 Boulevard – como é “carinhosamente” apelidada. Mal sabiam eles que a casa, consigo, trazia… uma maldição.

Depressa Nora e Dean Brannock, os protagonistas, são alvos de intimidação de uma entidade que se auto-intitula the watcher e que lhes envia cartas anónimas ameaçadoras, pondo em causa a sua segurança e a dos seus filhos.

A verdade é que a história em que Ryan Murphy se baseou para criar este sucesso para a plataforma de streaming, aconteceu na realidade. Surgiu pela primeira vez aos olhos do público num artigo para o “The Cut” da “New York Magazine”, em 2018, que contava a caricata e preocupante situação em que esta família se encontrava.

Mas o que levou Ryan Murphy a querer adaptar esta história verídica para a televisão?

Ser pai e ter uma obsessão por thrillers

É numa entrevista ao próprio canal, meio que em tom de preparação para o lançamento de “The Watcher”, que Ryan Murphy – o argumentista desta produção – confessa o seu caminho até chegar à escrita do guião.

«Pensei logo na minha família», diz Murphy. «E penso que a ideia de que vivemos num mundo onde toda a gente, a nível global, parece estar sob ataque, essa ideia de ‘Como é que eu mantenho a minha família a salvo’ foi algo que me motivou de imediato.»

Após ter lido o artigo publicado, revela que não tardou a guardar a ideia e a fazer chamadas telefónicas para perceber a viabilidade de comprar os direitos para a série. Rapidamente descobriu que os direitos tinham sido já vendidos à Netflix, plataforma com que Murphy tem actualmente um contrato de longa-duração, e que tinham sido vendidos ao seu amigo Eric Newman. Quase que em tom de brincadeira, avança ainda que telefonou a Eric e lhe disse: «Sou um fã desta história, sou fã do género, eu escrevo de graça, deixa-me escrever». E assim foi.

Imediatamente antes do seu envolvimento com a produção que agora conhecemos como “The Watcher”, Murphy esteve em produção com a série “Dahmer-Monster”, um dos últimos sucessos estrondosos da Netflix. O realizador e argumentista revela ainda que fez “Dahmer-Monster” porque «era interessante [para si]», e que essa foi também a razão por se ter envolvido em “The Watcher”. «[‘The Watcher’] é uma temática muito universal para mim, a parentalidade – eu tenho três filhos – e aquela ideia de que trabalhas tanto para atingir o ‘sonho americano’ – e se alguém te tira isso?».

Para além de falar abertamente sobre as suas motivações para se envolver com a série, Murphy ainda adianta alguns detalhes sobre o processo de escrita e gravação deste thriller. O argumentista revela que escreveu cada uma das partes com o elenco em mente, e que todos aceitaram o seu convite antes de lerem qualquer guião. Confirmou também que durante as filmagens viu-se apanhado em “becos sem saída”, porque continuava constantemente a receber dicas da internet (cita o fórum Reddit como exemplo) sobre possíveis suspeitos, que o levavam a repensar a forma como estava a escrever.

«Foi como se eu estivesse a trabalhar em algo que estava vivo, constantemente a adicionar personagens», finaliza.

Ryan Murphy, criador de “The Watcher” | JOE SEER

Os Broaddus, John List e os dólares

Os protagonistas de “The Watcher” são Nora e Dean Brannock. Nos seus papéis estão Naomi Watts e Bobby Cannavale, respectivamente, mas ambos representam mais do que duas personagens. A sua missão, nesta produção, foi transformar em ficção a história real de um casal que comprou a casa no 657 Boulevard, em Westfield.

O mês era Junho, do ano 2014. Derek Broaddus tinha acabado de terminar uma tarde de pintura na sua nova casa em Westfield, Nova Jérsia, quando decidiu ir ao correio verificar se lá tinha alguma coisa. Derek e a sua esposa Maria tinham acabado de comprar a casa no 657 Boulevard e estavam a fazer algumas renovações antes de se mudarem. Tal e qual como visto na série.

E tal e qual como na série, quando Derek chegou à sua caixa de correio naquele dia, tinha à sua espera um envelope branco, que apenas continha escrito à mão a frase “Para o novo dono” e dentro uma nota que começava da seguinte forma:

Caro novo vizinho da 657 Boulevard.
Permita-me dar-lhe as boas vindas ao bairro.

De uma forma muito semelhante à realidade, a história de Derek e Maria Broaddus é contada em “The Watcher” contendo apenas duas grandes diferenças, que foram pedido dos próprios: que as personagens não tivessem os seus nomes reais, e que constituição do aglomerado familiar ficcional fosse diferente da deles. Os Broaddus têm três filhos, contudo, na série, Nora e Dean Brannock têm apenas dois.

Os desafios que acompanham as duas personagens principais da série foram também alguns que Derek e Maria enfrentaram: desde as cartas constantes, à dificuldade em ter a cooperação e ajuda da polícia, aos vizinhos desconfiados. No mesmo artigo, ainda é detalhado ao pormenor a família Langford, em que um dos mais novos tinha um aspecto de Boo Radley; na série, esta família são os Winslow.

Alterando apenas os nomes, ou alguns pormenores como as datas ou a duração do envio das cartas, o certo é que em “The Watcher” a vida de Maria e Derek Broaddus foi detalhada e desconstruída. Seis meses após a compra da casa de sonho do casal, acabaram por decidir vender – encontrando, tal como os nossos protagonistas, algumas dificuldades pelo caminho. De predador a stalker, o vigia da 657 Boulevard foi alvo de rumores e dificuldades para o casal em vender a casa.

Não só deste casal se fez a história por detrás de “The Watcher”. Alegadamente, a personagem John Graff corresponde de facto a um assassino chamado John List, que matou a sua família inteira na mesma cidade, no ano de 1971.  As histórias são eventos separados na vida real. Não há qualquer ligação entre o caso de John List” e a família Broaddus, mas pela mão de Ryan Murphy passaram a fazer parte do mesmo universo ficcional em “The Watcher”.

Ainda como última curiosidade, e de acordo com o site norte-americano Deadline, a plataforma de streaming terá pago um número com “sete zeros” pelo pacote completo. A compra deu à plataforma acesso aos direitos de transmissão audiovisual sobre o artigo em questão e sobre a vida da própria família Broaddus. Deste “leilão” audiovisual, fizeram parte entidades como a Warner Bros., Paramount ou Amazon, que acabaram por perder para a Netflix, onde “The Watcher” está disponível para visualização.

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657 Boulevard, Westfield | DR
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Bobby Cannavale no papel de Dean Brannock | NETFLIX
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Exemplar de uma carta da série
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Família Brannock | NETFLIX
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Naomi Watts no papel de Nora Brannock | NETFLIX