“Dahmer – Monster”: uma história assombrada pela chance do lucro  

A história do serial killer Jeffrey Dahmer colecciona tanto elogios como críticas, porque nada é perfeito, nem mesmo uma criação de Ryan Murphy com Evan Peters no papel principal.

  • Post author:Beatriz Caetano
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Muita tinta literal e virtual tem corrido sobre uma das mais recentes estreias da Netflix, que rapidamente se tornou também uma das séries mais vistas de sempre da plataforma de streaming. Escreve-se aqui sobre “Dahmer – Monster: The Jeffrey Dahmer Story”, uma produção que colecciona tanto elogios como críticas – porque nada é perfeito, nem mesmo uma criação de Ryan Murphy com Evan Peters no papel principal.

Esta aposta no true crime ficcionado tem quase sempre tudo para correr bem. Além de chamar a atenção dos espectadores, uma vez que é dado adquirido que o ser humano tem uma atracção natural pelo macabro e pela desgraça, misturando as palavras “inspirado numa história real”, “serial killer” e “mortes”, à partida está tudo no caminho certo para uma produção ter pelo menos algum sucesso.

Contudo, aqui é necessário acrescentar outros dois factores: uma gigante do streaming, que chega a quase todos os territórios do mundo, e uma dupla de criador/actor que já ganhou nome precisamente no género da ficção do horror. E se “Dahmer – Monster” acerta em cheio em quase tudo, há um lado desta produção relacionado com o impacto social actual e o que a abordagem a uma história real – com vítimas reais – significa. Mas já lá vamos.

Uma caracterização saída da realidade

Quando se assiste a este tipo de séries, espera-se que o elenco escolhido seja o mais parecido possível às pessoas que inspiram a história, especialmente se essa narrativa estiver relacionada com assassinos. Faz parte daquela atracção inexplicável por tentar perceber uma pessoa que tira a vida a outras, como se o actor que a interpreta de alguma forma conseguisse dar ao espectador uma resposta que muitas vezes não existe.

E Evan Peters, que já tinha interpretado os líderes de cultos e responsáveis por diversos assassinatos David Koresh, Jim Jones e Charles Manson numa única temporada de “American Horror Story”, dá azo em “Dahmer – Monster” àquela que é, possivelmente, uma das interpretações da sua vida.

Da fantástica caracterização, ao discurso, à forma de andar e aos maneirismos, aquele que vemos no ecrã podia ser de facto o Jeffrey Dahmer que matou 17 homens e rapazes ao longo de duas décadas. Só por isso, a produção já está de parabéns. Contudo, numa série deste género quer-se mais do que aparências e aí entra em cena o argumento.

Se se podia pensar que uma minissérie dedicada a um serial killer teria como foco exclusivo os seus assassinatos, motivações e consequências, “Dahmer – Monster” vai além disso, tal como deve ser. A envolvência na narrativa da sua família, do seu passado e presente, mas, acima de tudo, daqueles que o rodeavam e das famílias das vítimas são a cereja no topo do bolo desta produção.

A assombração do lucro

Os dez episódios contam muito mais do que uma história trágica de indivíduos que estavam no lugar errado à hora errada. Conta também a forma como a sociedade das décadas entre 1970 e 1990 ajudou Jeffrey Dahmer a perpetuar os seus crimes, sem nunca ter de se preocupar realmente se seria apanhado em flagrante. Contudo, chega-se ao fim desta aposta do streamer com uma conclusão: apesar da crítica que é feita, a Netflix faz hoje parte daqueles que se aproveitaram da desgraça de outros para lucrar.

“Dahmer – Monster” deixa o espectador a pensar em muita coisa, especialmente como o facto de Jeffrey Dahmer ser um homem caucasiano, e ainda que homossexual, o ajudou a continuar o seu killing spree durante tantos anos. O racismo e homofobia são tão protagonistas nesta história como o próprio assassino e sem esses dois factores dificilmente existiria neste momento uma série sobre o serial killer, já que dificilmente este também teria existido enquanto tal.

Outra reflexão que a série provoca é a intenção de lucro que várias personalidades tentaram obter, consciente ou inconscientemente, graças às acções de Dahmer. Do livro auto-biográfico, ao possível filme que seria feito, aos itens e bens que Jeffrey possuía e à quase legião de fãs que gerou, mesmo depois de encarcerado.

No fim, muito desse lucro foi evitado, mas não estará a Netflix a ir contra a ideia que a sua própria produção perpassa? Seria utópico pensar que a maior plataforma de streaming do mundo não lucraria com uma aposta deste género e que poderia até pôr em cima da mesa canalizar parte da receita da série para os visados desta história. Tal como seria utópico achar que o caso de Jeffrey Dahmer é um caso isolado, impossível de se repetir.