“The Midnight Club” chegou à Netflix no mês do terror por excelência com a promessa de ser mais uma grande história de Mike Flanagan, o criador de outros títulos como “The Haunting of Hill House”, “The Haunting of Bly Manor” e “Midnight Mass”. E se uma série que tem como protagonistas um grupo de adolescentes com um diagnóstico cancerígeno terminal que vão viver os seus últimos dias para uma casa onde o sobrenatural habita, o terror, surpreendentemente, parece ficar à porta.
Contudo, se este ponto de partida deixa antever uma análise negativa dos dez episódios que compõem a primeira temporada de “The Midnight Club”, a conclusão que se tira não é bem essa. É seguro dizer (ou escrever) que a série falha redondamente no que ao horror/terror diz respeito, mas conquista a audiência por muitos outros factores.
Tendo como ponto de partida adolescentes e jovens adultos juntos num sítio que pouco parece ser vigiado por figuras responsáveis, seria de esperar que as picardias típicas da idade tivessem alguma relevância. O que, de facto, acontece. Porém, um dos grandes protagonistas da narrativa – o cancro – insere no desenvolvimento dos acontecimentos um pormenor crucial: maturidade antes do tempo esperado.
Já imaginaram como seria serem confrontados com a inevitável realidade de que em breve vão morrer e não há absolutamente nada que possam fazer? Um “abanão” destes com toda a certeza coloca tudo em perspectiva e traz um novo olhar para o que nos rodeia. É precisamente isso que as personagens de “The Midnight Club” apresentam nas suas aventuras pelos corredores de Brightcliffe, mesmo que por vezes envoltas em atitudes, decisões e pensamentos que fazem o espctador revirar os olhos.
Ironicamente, numa série que tem como tema a morte, é a vida que acaba por sair por cima. Isso e discursos tão importantes sobre depressão, suicídio, homofobia, crenças religiosas, aparências, expectativas, relações, sonhos destruídos e esperança. No meio de todos estes tópicos, o terror acaba por ficar em segundo plano, surgindo ocasionalmente como um lembrete que esta não é, afinal, uma história ordinária.
![](https://tvcontraluz.pt/wp-content/uploads/The-Midnight-Club-Ilonka-Anya-e-Kevin-1024x683.jpeg)
O sobrenatural, o mítico e as histórias imaginadas
Inspirada no livro com o mesmo nome de Christopher Pike, “The Midnight Club” junta à meia-noite na biblioteca de Brightcliffe o grupo de jovens que lá habita para contar histórias aterradoras. Na verdade, estes contos consistem em diversos livros que o autor escreveu e que Mike Flanagan compila aqui, mostrando uma mestria máxima ao misturar a realidade deste universo com aquela imaginada por Ilonka, Kevin, Anya, Sandra, Spencer, Cheri, Natsuki e Amesh. Tanto é que, por vezes, surge a dúvida sobre quanto daquilo inventado poderá fazer de facto parte do passado das personagens.
Este é talvez um dos pontos mais positivos da série. Entrar na imaginação dos protagonistas e participar numa outra camada de ficção além daquela a que já assistimos. Quantos de nós não criam cenários irrealistas onde somos a personagem principal e cuja probabilidade de acontecerem é… muito abaixo de zero?
Da mesma forma, será fácil (para alguns, pelo menos) deixar o seu lado mais espiritual acreditar que poderá haver forças superiores que, quando invocadas da forma correcta, concedem um ou outro desejo. É precisamente essa linha que o criador desenha com esta série: uma amálgama entre a crua e dura realidade e a outra faceta que digere o factual com a esperança de que poderá haver mais do que isto.
E, em contrapartida, se é neste ponto que a série se perde ligeiramente e entra na categoria de apostas Young Adult da televisão norte-americana transmitida às nove da noite? A resposta é sim. O espiritualismo e o mítico poderiam ter sido abordados de forma muito mais sóbria e sem parecer uma cena tirada de “The Order” ou uma interpretação de como se imagina que um culto será quando se reúne na cave de uma casa assombrada.
![](https://tvcontraluz.pt/wp-content/uploads/The-Midnight-Club-1024x683.jpeg)
Nesta aposta da gigante do streaming a espiritualidade funde-se com a tentativa de encontrar uma solução para algo que é tido quase como inevitável e “The Midnight Club” dá um tiro de raspão na fórmula acertada para o mostrar e explicar. Ficamos com um “poderia ter sido” que acaba, até, por não ter tanto impacto na narrativa como se esperava quando chegamos ao derradeiro episódio.
Em suma, o positivo supera o negativo mais ou menos como a vida ganha à morte, só que nem sempre. “The Midnight Club” acerta em tudo o que não se esperava desta série e fica aquém naquilo que era dado como garantido à partida. Ainda assim, não deixa de ser uma produção recheada dos chamados easter eggs para qualquer fã do horror/terror – da participação de Heather Langenkamp que interpretou Nancy Thompson no filme “A Nightmare on Elm Street”, às múltiplas referências ao universo deste género ficcional e à adição bem disfarçada de alguns actores de outras produções de Mike Flanagan (Kate Siegel, Carl Gugino e Hamish Linklater).
Se contavam com uma mini-série ao estilo de “Midnight Mass” desenganem-se. “The Midnight Club” promete voltar com mais uma ronda de aventuras e não vem sozinha. “The Fall of the House of Usher” é a próxima aposta do criador que não deverá tardar a chegar aos pequenos ecrãs com mais uma expansão desta espécie de multiverso onde pequenos pormenores interligam as várias histórias sempre temáticas do underground.