Na sequência de uma palestra sobre a experiência dos actores portugueses em mercados internacionais durante a Comic Con Portugal, em Dezembro, no Altice Arena em Lisboa – e para a qual fui convidado – dei por mim a reflectir sobre algumas das questões abordadas.
Devo a esse propósito notar o interesse do público nesta palestra, não só pela sua forte presença, mas igualmente pela pertinência das questões colocadas. Entre elas, a questão da diferença entre trabalhar em Portugal e trabalhar noutros mercados exteriores foi transversal ao interesse do público. Como residente em NY há doze anos, trabalhando na indústria americana, contribuí humildemente com histórias da minha experiência.
Cada vez estou mais convencido que o trabalho do actor é simplesmente o trabalho do actor. E este trabalhador das artes performativas é-o igualmente em todos os países onde já tive o prazer de trabalhar. Com todas as características e peculiaridades da individualidade, o actor manifesta-se de forma semelhante em qualquer ambiente cultural ou social. A globalização das técnicas de representação e as idiossincrasias do “personagem” actor são, julgo eu, universais. Nesse sentido, estar no set de uma série americana gravada em NY ou no plateau de uma série portuguesa gravada nos estúdios da Plural ou SP Filmes varia pouco no que ao trabalho diz respeito ou à qualidade dos trabalhadores dos diferentes sectores desta actividade. O que eu creio ser diferente são as condições oferecidas aos trabalhadores em termos de regulação da actividade. O que eu quero dizer com isto é que o facto de na maior parte dos países europeus, e nos EUA em particular, haver uma indústria do entretenimento/audivisual regulada por leis, normas e procedimentos faz com que se sinta a existência de uma estrutura envolvente (organização legal) ao trabalho artístico quer de actores e realizadores quer dos diferentes setores técnicos da actividade, que oferece confiança e credibilidade à actividade e, por consequência, à indústria do entretenimento.
Uma indústria credível, na minha opinião, não se caracteriza unicamente pela qualidade individual dos seus intervenientes. De que serve um conjunto de jogadores talentosos se não conseguem formar uma equipa capaz de vencer títulos? Este exemplo grosseiro e unidimensional conduz-me para a questão: será que sinergias ocorrem se acharmos que o colectivo tem mais valor e potencial do que a qualidade individual colocada lado a lado? Por outras palavras, desenvolver uma actividade e formar posteriormente uma indústria sustentada são passos de um processo que se quer consistente e consciente e não unicamente acreditar que o talento individual poderá ser suficiente para que uma actividade como a nossa possa ser edificada com o objectivo de criar uma indústria atractiva para os investidores globais sem critérios colectivos de regulação da actividade.
Do meu ponto de vista, uma indústria do entretenimento credível implica a regulação não apenas ao nível das infra-estruturas necessárias para o sucesso da actividade (estúdios equipados, técnicos preparados com formação adequada, actores e realizadores talentosos e tecnicamente preparados), mas particularmente trabalhadores com condições de trabalho garantidas pela regulação laboral do país em causa e, no caso da nossa actividade, sensibilidade superior (ao nível do poder executivo) para aceitar que os trabalhadores das artes e do audiovisual fazem parte de uma actividade precária que não pode ser tratada nesta matéria como uma outra qualquer actividade económica.
Ao contrário do que se poderia pensar, um investidor internacional com poder financeiro e credível só estará interessado em investir de forma sustentada numa região/país se houver credibilização da indústria local. Apesar de se poder achar que a obtenção de lucros a qualquer custo seria uma vantagem numa actividade económica não organizada, parece-me a mim que os grandes investidores do sector não estão interessados em correr riscos de descredibilização em regiões onde a actividade não se encontra devidamente regulada. As consequências de poder estar associado a uma indústria sem segurança dos trabalhadores, equidade salarial, social ou até de género é mais um repressor de investimento do que uma oportunidade de lucro fácil. Nesse sentido, creio que as vantagens de regulamentar a nossa actividade a nível nacional em linha com os critérios internacionais e que demonstram algum sucesso organizativo noutros países, parece-me essencial se se quiser desenvolver a indústria do entretenimento em Portugal de forma duradoura. Não só para atrair o dito investimento, mas para que os seus intervenientes sejam observados não como um conjunto de indivíduos com “jeito” para o que fazem, mas capazes de funcionar organizadamente e reguladamente em qualquer mercado que deseje beneficiar do nosso talento e da nossa região. Assim, sindicatos do sector são essenciais para garantir acordos laborais e representação para o sector e não deixar os trabalhadores individualmente entregues a si próprios, muito provavelmente sem conseguirem as mesmas condições que um grupo a lutar em conjunto poderia conseguir.
Por seu lado, os investidores e empregadores ganham em consistência. Pois negociar individualmente com cada trabalhador é mais moroso e menos eficaz do que ser confrontado com regulações salariais colectivas em que a entidade laboral sabe à partida com o que conta no processo negocial com os trabalhadores, permitindo-lhe até maior precisão orçamental, por exemplo.
Não tenho dúvidas, até por experiência própria, que a regulamentação da nossa actividade em Portugal cria de parte a parte (entidade patronal e trabalhadores) mais confiança, credibilidade e atracção de investimentos estrangeiros.
Isto não significa que Portugal não tenha vindo a receber a espaços esses investimentos, mas acredito que a consistência ou sustentabilidade desses fluxos de investimento só acontecerão se conseguirmos em conjunto, com a participação de todas as partes (poder executivo incluído), caminhar para esta estruturação do espaço profissional das artes e audiovisual, transformando ao mesmo tempo a nossa mentalidade no que a esta matéria diz respeito. Julgo existirem provas suficientes ao longo dos tempos para afirmar que juntos podemos chegar mais longe do que andando solitários pelo caminho. Resta saber o que nos interessa.