As mulheres na ficção

Não é segredo para ninguém que a indústria sempre foi dominada por homens e, apesar de estarmos num claro processo de mudança, as mulheres continuam sujeitas a vários tipos de violência de género, à frente e atrás das câmaras.

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Vera Sacramento - Directora de conteúdos na Coral Europa e Argumentista

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VERA SACRAMENTO

Há poucas semanas, num jantar entre amigos, alguém fez a seguinte sugestão: «Se vais começar a escrever outra série, escolhe mulheres para os papéis principais. É isso que vende agora! Está na moda». Honestamente nunca fui de embarcar em modas nem considero que este seja um bom argumento para iniciar a escrita de um novo projecto, no entanto, é inegável que, nos últimos anos, as figuras femininas têm vindo a ganhar enorme força e preponderância na ficção, por todo o mundo. E ainda bem. Esta nova Era tem trazido histórias e interpretações fabulosas.

Fazendo um rápido exercício de memória, e passando em revista as séries que vi recentemente, destaco duas personagens femininas que me marcaram. Com perfis e contextos muito diferentes, elas conseguiram prender-me ao ecrã desde o primeiro minuto através da sua intensidade e complexidade. Começo pela Tanya McQuoid na série “The White Lotus”, brilhantemente interpretada pela Jennifer Coolidge. A forma como esta personagem entra na história, numa situação insólita e risível, não nos deixa antever o espaço que vai conquistar para a frente. Num primeiro olhar, é apenas uma velha louca e solitária que procura atenção, mas à medida que os episódios se sucedem, deixamo-nos conquistar pela sua fragilidade, pela total ausência de filtros e pelos medos e inseguranças que Tanya expõe sem qualquer pudor, obrigando-nos a reflectir sobre as nossas próprias vidas. Não será coincidência que tenha sido a única personagem a transitar para a segunda temporada. É genial.

Passemos agora para “Vanda”. Lembro-me de ter visto o trailer na antena da SIC e de criar logo um lembrete no telemóvel para não perder a estreia. Confesso que não me desiludi e posso dizer que a série superou as minhas expectativas. O argumento é forte, a realização surpreendente, o elenco foi escolhido a dedo, mas a figura central, protagonizada pela Gabriela Barros é, para mim, a cereja no topo do bolo. Sem qualquer esforço, consegui mergulhar na realidade de Vanda e criar empatia com ela, percebendo o que pode levar uma pacata cabeleireira de bairro a tornar-se assaltante, da noite para o dia. Inspirada em factos reais, “Vanda” é a história de uma mulher, escrita também por uma mulher, Patrícia Müller. Os meus parabéns.

Voltando ao argumento inicial, se é verdade que as histórias sobre mulheres (ou protagonizadas por mulheres) estão na moda e vendem bem, também é verdade que durante várias décadas não foi assim. Não é segredo para ninguém que a indústria sempre foi dominada por homens e, apesar de estarmos num claro processo de mudança, as mulheres continuam sujeitas a vários tipos de violência de género, à frente e atrás das câmaras. Exemplo disso são os casos de assédio – cada vez mais falados e denunciados, felizmente – ou outras formas de violência e desigualdade mais subtis, como a escolha para cargos de chefia e a diferença salarial entre homens e mulheres. Existe uma mudança em curso, sim, mas o caminho… ainda é longo.

Em 1985, a cartoonista americana Alison Bechdel fez uma curiosa sátira aos filmes da indústria de Hollywood, criticando a forma estereotipada como a maioria destes filmes representava as mulheres. Anos mais tarde, a iniciativa viria a dar origem a um pequeno questionário, baptizado com o nome “Teste de Bechdel“. Mas afinal, em que consiste este teste? Através de três perguntas básicas, destina-se a avaliar se um produto de ficção inclui personagens femininas com importância na trama.

  • Tem duas ou mais personagens femininas?
  • Essas personagens conversam entre si, em alguma cena?
  • Existem temas de conversa entre essas personagens que não sejam homens ou romance?

É legítimo questionar a relevância do teste, que parece demasiado simplista e talvez até obsoleto nos dias de hoje, mas se começarmos a fazer uma lista dos filmes e séries que já vimos ao longo da vida… é provável que muitos chumbem. Na realidade, o “Teste de Bechdel” não avalia a qualidade das séries ou filmes, apenas questiona se incluem mulheres em papéis que realmente façam diferença no enredo, levando-nos a reflectir se não existem apenas como figurantes especiais ou para dar suporte aos personagens masculinos.

Se tiverem tempo e paciência, experimentem o teste!