O que começou com uma videochamada entre duas pessoas, depois três e depois quatro é hoje um fenómeno em Portugal como raramente se tem visto ao longo das décadas de ficção do país. Fala-se, claro, de “Pôr do Sol”, o projecto que tem como mote a sátira às conhecidas telenovelas e que chega agora, três anos depois da estreia do primeiro episódio, às salas de cinema com o filme “O Mistério do Colar de São Cajó” que coloca o ponto final neste universo nonsense.
E se os fãs dos Bourbon de Linhaça, dos Jesus Quisto, da Ivone e do Tó Mané, da Filipa e dos Ourives de Cister estarão em pulgas para conhecer a origem do acessório mais falado dos últimos tempos, quem não está a par não terá como desculpa nunca ter visto a série. Sim, porque tratando-se de uma prequela dá a conhecer a origem das principais personagens criadas para o pequeno ecrã.
«Temos imensos piscar de olho aos nossos seguidores e fãs, e há muitas coisas que só eles vão perceber, mas estão dentro da trama ridícula que se estabelece. É fácil ver o filme mesmo sem ter visto a série e vice-versa», diz, em entrevista ao TV Contraluz, Manuel Pureza, realizador e um dos criadores do projecto.
Na tela de cinema poderão ver-se os mesmo de sempre e outros que regressam da primeira temporada da ficção televisiva. Há também novidades no elenco para completar esta história, nomeadamente Diogo Infante, José Raposo, Ângela Pinto, João Jesus e Patrícia Tavares. Em conjunto vão percorrer 3500 anos de história e um pouco mais, atravessando eras e momentos históricos ao mesmo tempo que acenam a conhecidos trabalhos como “The Lord of the Rings”, “Game of Thrones”, “Indiana Jones”, “Mystic River” e “A Clockwork Orange”.
Da escrita «completamente diferente» aos efeitos especiais
Henrique Dias é o principal responsável pelo guião desde os primórdios de “Pôr do Sol”, embora muito do resultado final seja reflexo de um esforço comum com Manuel Pureza e Rui Melo. Foi também ele a assinar o trabalho escrito da peça cinematográfica e explica ao TV Contraluz durante a antestreia que o desenvolvimento para esta produção foi «completamente diferente» da série, já que aqui há uma narrativa clássica, em três actos.
«É uma história que se acompanha, enquanto na série se faz o salto de núcleo em núcleo e no final de cada episódio tem de haver um gancho para o episódio seguinte. É uma coisa mais linear, mas muito mais difícil de construir.» Como tal, primeiro veio o arco e depois as piadas, qual forma de criação engenhosa capaz de reunir as massas em torno de uma história inacreditável.
Mas o Colar de São Cajó promete não ser o único protagonista do filme. Simão Bourbon de Linhaça continuará a ter o papel principal e terá até direito à sua história de origem. Por que se tornou o vilão, terão questionado os espectadores. Pois bem, a resposta chega no formato de longa-metragem, ao longo de uma hora e quarenta minutos. Rui Melo é, além de uma das mentes criativas, o actor que encarna este irmão maléfico, que nem sempre o foi, e o seu percurso será contado em três fases diferentes, tal como o intérprete o definiu.
No que toca à comédia, promete-se a mesma linha que “Pôr do Sol” seguia e o mesmo tom, embora um pouco mais negro, salienta Marco Delgado, o senhor engenheiro Eduardo Bourbon de Linhaça, que garante uma sessão de risadas a todos os que visitarem os cinemas para ver “O Mistério do Colar de São Cajó”.
Espera-se também que os espectadores saiam «de olho cheio» das salas do grande ecrã, «porque as imagens são incríveis», assegura Sofia Aparício, que dá vida a Cristina Chrysler, dona da revista Blaze. Para isso irá contribuir o recurso a efeitos especiais num nível substancialmente mais elevado do que na série.
No que toca ao que ficou atrás das câmaras, a opinião parece ser unânime entre os que fizeram parte do elenco: foi algo muito especial, difícil de fazer acontecer e que, muito provavelmente, não se voltará a repetir. «Foi um prazer enorme fazer isto. É uma equipa extraordinária em toda a acepção da palavra», reitera Luísa Ortigoso, que interpreta Celeste, mulher do caseiro da herdade de Pôr do Sol.
E irão os portugueses ao cinema ver esta aposta? A resposta é um redondo sim: se para uns está ganha à partida a presença de quem já acompanhava a série, para outros a razão prende-se com o facto de o filme representar algo que estava em falta em Portugal, seja «uma linguagem que tem a ver com os primórdios do cinema português – fazer a graça muito a sério», na óptica de Ângela Pinto que chega para dar uma nova roupagem a uma personagem já existente, ou levar ao público o cinema de entretenimento, que faltava «entre o de autor e o muito comercial», sugere Henrique Dias.
Os primórdios dos Jesus Quisto, uma banda que transcende a ficção
Quatro personagens e uma banda de rock. Assim se apresentavam os Jesus Quisto quando Portugal ficou a conhecer “Pôr do Sol”. Tão fora da caixa como o restante da narrativa, este grupo musical que não existe de verdade acabou por transcender as barreiras da ficção e conquistar a realidade.
De dois concertos nos Coliseus de Lisboa e do Porto ao NOS Alive foi um tirinho, como se costuma dizer. Em palcos a sério uma banda a brincar. Assim são Lourenço, Vera, Jimmy, Diogo e Beta, que prometem continuar a actuar mesmo depois da estreia do filme e dão mote a um arraial criado para celebrar um santo padroeiro que chega atrasado à liga dos Santos Populares, mas que enche o Jardim do Torel com mais de duas mil pessoas. O próximo concerto está marcado para Outubro e já há música nova a circular no Spotify.
Pressão vs responsabilidade. O sucesso tem peso?
Duas temporadas de uma série, um filme e milhares de horas de visualizações. Assim se dá origem a um universo de culto capaz de moldar o audiovisual em Portugal e que, inevitavelmente, catapulta os nomes a ele associado. O sucesso traz, então, uma pressão acrescida daqui para a frente?
«Não, antes pelo contrário», afirma Manuel Pureza. «Sinto que o ‘Pôr do Sol’ nos legitimou mais a todos do que antes. Não sentimos pressão, sentimos responsabilidade.» Subentende-se uma expectativa elevada por parte de quem vê e de quem quer trabalhar lado a lado com estes profissionais, mas, no fundo, esta experiência permitiu desenvolver um filtro mais afinado para o futuro.
E é a 3 de Agosto que este ciclo se fecha, mas que promete continuar acessível a todos os espectadores. Além de poderem ser vistas na RTP Play as duas temporadas de “Pôr do Sol”, a primeira temporada integra o catálogo da Netflix e a 4 de Agosto os 37 episódios da série serão adicionados à Prime Video, fazendo desta a ficção televisiva portuguesa a única disponível em duas plataformas de streaming gigantes em simultâneo. Para aqueles que poderão perder a oportunidade de ir ao cinema ver “O Mistério do Colar de São Cajó”, não tema. O filme irá passar na RTP, em data ainda a definir.