O que têm em comum bonecos oprimidos, Bruno de Carvalho e o neo-noir? “FELP” desafia a comédia com a ajuda de programas… delicados

Marionetas, racismo, politiquices e humor. Pelas mãos do trio que criou "Pôr do Sol" chega uma nova produção que promete lutar pelos direitos dos bonecos e pela liberdade peluda.

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"FELP", Episódio 2 | Coyote Vadio

Num universo não tão distante do nosso, os bonecos estão vivos. Feitos de pêlo, esponja e uma dose de comédia, daquela que adora a miséria, são cidadãos do mundo como todos os outros. Ou, pelo menos, assim se esperaria. “FELP” é a história dos bonecos que se revoltam contra o racismo, a injustiça e as piadas secas que já não têm piada nenhuma. Quem é que nunca teve a etiqueta de fora, anyway?

Dos criadores de “Pôr do Sol”, chega uma produção inspirada nos tempos áureos d’”Os Marretas”, mas também nos dias de hoje. A viagem nostálgica acontece de várias formas em “FELP”. Há um genérico patrocinado pelo artista Toy – que já tinha trabalhado também no genérico de “Pôr do Sol” –, que é… infantil. Ou não. Um olá à “Rua Sésamo”, uma menção honrosa à presença das marionetas no imaginário das crianças, mas também um descolar directo para o universo 18+.

Até porque “Os Marretas” foram marionetas de adultos. E “FELP” bebe deste ícone televisivo, tanto com o tipo de humor – mas a esse já lá vamos – como com os intervalos musicais meio desprendidos do contexto do episódio.

A história de “FELP” parece até ser simples: Os bonecos existem no mundo real, sofrem opressão, estão a ser alvo de uma vaga enorme de raptos e decidem criar uma forma de rebelião contra a máquina criada pelo capitalismo, de forma a defenderem os seus direitos. Pelo meio, um humor que quebra tensões e desafia outras normativas.

Há uma clara inspiração neo-noir em “FELP”. O crime, a investigação policial a cargo de um polícia altamente alucinado, com meia dose de incompetência e dupla dose de machismo – bem à antiga –, a corrupção e a moralidade dúbia são ingredientes presentes de forma constante na produção de Manuel Pureza, Rui Melo e Henrique Dias.

O trabalho de marionetas foi, claramente, metade do desafio. É que não pode ter sido simples fazê-los quase humanos, dar-lhes emoção, criar-lhes relações, enfim, dar-lhes vida. Se por um lado há uma clara e assumida vontade de deixar os bonecos ser bonecos, quando de quando em vez se vêem os braços de manipulação das marionetas em cena, por outro lado há um trabalho enorme que permite que os bonecos sejam parte integrante de cada cena, como se estivessem vivos.

Além disso, “FELP” não se fazia sem os actores que dão vida aos bonecos e aos humanos que com eles contracenam. Do estereótipo da modelo que se envolve com o fotógrafo com quem trabalha, à jovem detective ambiciosíssima, à vilã que detém o monopólio de produção de tapeçaria de luxo – todos vivem neste universo alucinado onde se pode brincar com questões sérias e onde se pode criar comédia na miséria (como quem diz que a comédia boa tem sempre uma pitada de trauma por trás).

Desenganem-se os fãs acérrimos de “Pôr do Sol”: esta produção não é um despejar de piadas atrás de piadas. Rimo-nos menos vezes, mas de forma mais incisiva. Não passam despercebidas as piadas que envolvem luta por direitos políticos, Sebastião Bugalho, cafés de bairro, tráfico de bonecos ou até programas de lavagem para delicados. Uma série sobre minorias num mundo polarizado, onde o humor é arma de combate e creme Nivea ao mesmo tempo. E ainda há espaço para asneiras, muitas asneiras, até porque essas é que têm piada.

São tantos os clichés, tantos os trocadilhos, que os olhares mais atentos e os ouvidos mais concentrados podem deixar passar despercebido. Fica o aviso: “FELP” é para se ver com pés assentes na terra e Bruno de Carvalho no beat porque a brincadeira aqui não tem hora limite.

“FELP” está disponível na RTP Play, será transmitida diariamente na RTP e estará também disponível na HBO Max.