A passadeira que deixa antever a chegada de caras conhecidas é azul e não vermelha. O final de dia arrepia quem se deixou enganar pelo sol quente que brilhou, mas no interior do Capitólio, em Lisboa, a expectativa aconchega. Estamos na antestreia da segunda temporada de “Operação Maré Negra”, uma co-produção entre Portugal, Espanha e Brasil e que junta o canal português RTP e a plataforma de streaming Prime Video.
Na zona de fotografias e entrevistas rápidas os meios de comunicação reúnem-se num espaço que de repente encolhe com o número de jornalistas e fotógrafos que aqui marcam presença. Todos se preparam para ligar os microfones e disparar os flashes na direcção dos protagonistas desta continuação da história real de narcotráfico que os espectadores puderam ver nos primeiros quatro episódios, estreados em 2022.
Luzes, câmara, acção e eis que entram em cena os portugueses Soraia Chaves e Pêpê Rapazote – a actriz será a inspectora Daniela, determinada em desmantelar a rede de tráfico, enquanto o actor volta a um género que conhece tão bem na pele de Boza, um traficante preso na mesma instalação que Nando, a personagem principal.
O nome da série não só inspirou a decoração do local que recebe a apresentação como o próprio elenco, que parece ter combinado vestir de preto. Talvez tenha de facto, já que o chileno Jorge López surge na chamada première envergando uma camisa e calças negras. O actor, cuja cara poderá ser reconhecida da série da Netflix “Élite”, vai ganhando um à-vontade crescente quando fala com a imprensa nacional. Por detrás do nervosismo inicial poderia estar o receio da barreira da língua, mas Jorge López não tem com que se preocupar. Afinal de contas, o português que aprendeu quando viveu em São Paulo, no Brasil, não está nada mal e nós portugueses desenrascamos sempre um portunhol.
E se só agora se questionam por que não é mencionado Álex González, a explicação é simples: o actor que interpretou Nando na primeira temporada da série optou por não continuar a fazer parte do projecto e Jorge López agarrou-o com uma devoção clara. Embora afirme que tenha sido um desafio, este de partilhar o papel com alguém no audiovisual, gosta de percorrer caminhos novos, experimentar registos diferentes, sair da zona de conforto. O receio da reacção do público à troca de caras existia, mas o que importa de facto a Jorge López é «o trabalho pessoal de cada artista, o respeito, o companheirismo e a arte».
Este Nando que os espectadores vão encontrar nos próximos cinco episódios – que deixam para trás a inspiração em factos reais e ganham uma componente ficcional por inteiro – não é só diferente no aspecto físico. A personagem adquire uma dimensão mais emocional e passional, falando com o olhar e não com as palavras. Construção que resulta de «um trabalho de equipa a 100%», garante o protagonista, que não teria sido possível sem a produção de alto nível que esta série é. E de facto Jorge López não poupa elogios à experiência, assegurando que mesmo sendo uma aposta local tem «identidade».
Da história real que inspira “Operação Maré Negra” para a continuação ficcionada
A narrativa que “Operação Maré Negra” apresentou na temporada de estreia parece saída de um filme de máfia, mas retrata realmente um acontecimento verídico, decorrido em 2019. Por outro lado, a sequela trespassa essa barreira e entra no campo da ficção.
É nesta imaginação que surge Daniela, a personagem interpretada por Soraia Chaves, que «não vai permitir que ninguém desista», diz-nos a actriz no meio da azáfama que caracteriza estes eventos. Elenco, equipa de produção, representantes, convidados, jornalistas, fotógrafos e outros fazem por passar o tempo enquanto não chega o momento de nos sentarmos a ver o primeiro episódio da nova temporada. «É muito ambiciosa. É uma mulher extremamente corajosa e obstinada. Vem para vencer, apesar de arriscar muito.»
Apresentada a nova figura feminina da série, é altura de Pêpê Rapazote dar a conhecer o seu regresso ao género do narcotráfico, que não é o seu preferido, simplesmente acontece. Ainda que «não tenha tanta importância como se possa pensar», Boza é um traficante do Norte de Portugal preso na Galiza que «vai dominando algumas das jogadas que vão sendo feitas na prisão». É neste lugar que a maior parte da temporada decorre e onde se encontra o maior número de personagens, ao mesmo tempo que do outro lado das grades as mulheres fazem mexer a roldana narrativa.
As amarras reais que prendiam o percurso de Nando Barreira à realidade deixam de existir, permitindo à produção «ultrapassar certos limites que na primeira temporada não se podia». Luís Ismael, o produtor português envolvido no projecto através da Lightbox, revela com entusiasmo que «o guião foi um exercício de imaginação do que Nando iria encontrar na prisão». Há um mundo micro, o da penitenciária, e um macro, o que a personagem ambiciona conquistar lá fora. Ambos vão colidir numa narrativa «muito mais forte, recheada de violência e suspense», com twists.
Co-produções: uma montra internacional para Portugal
«Vamos começar a sentar», ouve-se a organização da antestreia a dizer para mobilizar as várias dezenas de pessoas presentes. Para finalizar as conversas, os entrevistados reflectem sobre o que a participação de Portugal numa produção deste género pode significar para o audiovisual nacional.
A opinião é unânime: não só pode fazer muito como já está a fazer. É uma oportunidade para mostrar o trabalho de actores e equipas, criando, potencialmente, mais oportunidades não só na classe artística, mas também técnica. Dizem-nos que este tipo de trabalho permite expandir a forma como se trabalha ao colocar em cena actores de todo o mundo e levar à cooperação de produtores e realizadores de vários países. Tem ainda a vantagem de dar a conhecer a língua portuguesa, que é incluída de forma orgânica na história.
E agora faça-se silêncio para assistir às marés negras emocionais de Nando. Os cinco episódios de “Operação Maré Negra” ficam hoje disponíveis na Prime Video, sendo também possível visualizá-los na RTP.