“The Midnight Club” falha no terror, mas acerta em tudo o que não se esperava

A promessa de uma série assustadora fica pelo caminho, onde se cruza com uma abordagem a temas sérios e inesperados à partida.

  • Post author:Beatriz Caetano
  • Reading time:5 mins leitura
You are currently viewing “The Midnight Club” falha no terror, mas acerta em tudo o que não se esperava
NETFLIX

“The Midnight Club” chegou à Netflix no mês do terror por excelência com a promessa de ser mais uma grande história de Mike Flanagan, o criador de outros títulos como “The Haunting of Hill House”, “The Haunting of Bly Manor” e “Midnight Mass”. E se uma série que tem como protagonistas um grupo de adolescentes com um diagnóstico cancerígeno terminal que vão viver os seus últimos dias para uma casa onde o sobrenatural habita, o terror, surpreendentemente, parece ficar à porta.

Contudo, se este ponto de partida deixa antever uma análise negativa dos dez episódios que compõem a primeira temporada de “The Midnight Club”, a conclusão que se tira não é bem essa. É seguro dizer (ou escrever) que a série falha redondamente no que ao horror/terror diz respeito, mas conquista a audiência por muitos outros factores.

Tendo como ponto de partida adolescentes e jovens adultos juntos num sítio que pouco parece ser vigiado por figuras responsáveis, seria de esperar que as picardias típicas da idade tivessem alguma relevância. O que, de facto, acontece. Porém, um dos grandes protagonistas da narrativa – o cancro – insere no desenvolvimento dos acontecimentos um pormenor crucial: maturidade antes do tempo esperado.

Já imaginaram como seria serem confrontados com a inevitável realidade de que em breve vão morrer e não há absolutamente nada que possam fazer? Um “abanão” destes com toda a certeza coloca tudo em perspectiva e traz um novo olhar para o que nos rodeia. É precisamente isso que as personagens de “The Midnight Club” apresentam nas suas aventuras pelos corredores de Brightcliffe, mesmo que por vezes envoltas em atitudes, decisões e pensamentos que fazem o espctador revirar os olhos.

Ironicamente, numa série que tem como tema a morte, é a vida que acaba por sair por cima. Isso e discursos tão importantes sobre depressão, suicídio, homofobia, crenças religiosas, aparências, expectativas, relações, sonhos destruídos e esperança. No meio de todos estes tópicos, o terror acaba por ficar em segundo plano, surgindo ocasionalmente como um lembrete que esta não é, afinal, uma história ordinária.

Iman Benson como Ilonka, Ruth Codd como Anya e Igby Rigney como Kevin | EIKE SCHROTER/NETFLIX

O sobrenatural, o mítico e as histórias imaginadas

Inspirada no livro com o mesmo nome de Christopher Pike, “The Midnight Club” junta à meia-noite na biblioteca de Brightcliffe o grupo de jovens que lá habita para contar histórias aterradoras. Na verdade, estes contos consistem em diversos livros que o autor escreveu e que Mike Flanagan compila aqui, mostrando uma mestria máxima ao misturar a realidade deste universo com aquela imaginada por Ilonka, Kevin, Anya, Sandra, Spencer, Cheri, Natsuki e Amesh. Tanto é que, por vezes, surge a dúvida sobre quanto daquilo inventado poderá fazer de facto parte do passado das personagens.

Este é talvez um dos pontos mais positivos da série. Entrar na imaginação dos protagonistas e participar numa outra camada de ficção além daquela a que já assistimos. Quantos de nós não criam cenários irrealistas onde somos a personagem principal e cuja probabilidade de acontecerem é… muito abaixo de zero?

Da mesma forma, será fácil (para alguns, pelo menos) deixar o seu lado mais espiritual acreditar que poderá haver forças superiores que, quando invocadas da forma correcta, concedem um ou outro desejo. É precisamente essa linha que o criador desenha com esta série: uma amálgama entre a crua e dura realidade e a outra faceta que digere o factual com a esperança de que poderá haver mais do que isto.

E, em contrapartida, se é neste ponto que a série se perde ligeiramente e entra na categoria de apostas Young Adult da televisão norte-americana transmitida às nove da noite? A resposta é sim. O espiritualismo e o mítico poderiam ter sido abordados de forma muito mais sóbria e sem parecer uma cena tirada de “The Order” ou uma interpretação de como se imagina que um culto será quando se reúne na cave de uma casa assombrada.

Annarah Cymone como Sandra | NETFLIX

Nesta aposta da gigante do streaming a espiritualidade funde-se com a tentativa de encontrar uma solução para algo que é tido quase como inevitável e “The Midnight Club” dá um tiro de raspão na fórmula acertada para o mostrar e explicar. Ficamos com um “poderia ter sido” que acaba, até, por não ter tanto impacto na narrativa como se esperava quando chegamos ao derradeiro episódio.

Em suma, o positivo supera o negativo mais ou menos como a vida ganha à morte, só que nem sempre. “The Midnight Club” acerta em tudo o que não se esperava desta série e fica aquém naquilo que era dado como garantido à partida. Ainda assim, não deixa de ser uma produção recheada dos chamados easter eggs para qualquer fã do horror/terror – da participação de Heather Langenkamp que interpretou Nancy Thompson no filme “A Nightmare on Elm Street”, às múltiplas referências ao universo deste género ficcional e à adição bem disfarçada de alguns actores de outras produções de Mike Flanagan (Kate Siegel, Carl Gugino e Hamish Linklater).

Se contavam com uma mini-série ao estilo de “Midnight Mass” desenganem-se. “The Midnight Club” promete voltar com mais uma ronda de aventuras e não vem sozinha. “The Fall of the House of Usher” é a próxima aposta do criador que não deverá tardar a chegar aos pequenos ecrãs com mais uma expansão desta espécie de multiverso onde pequenos pormenores interligam as várias histórias sempre temáticas do underground.