O sol nasceu em “House of The Dragon” depois de um rigoroso inverno

Esta prequela de "Game of Thrones" soube sentar-se no trono da sua predecessora e conquistar o público, num misto de fogo, sangue e dragões.

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HBO MAX

A tempestade veio, e os dragões dançaram. Foi assim que terminou a primeira temporada de “House of the Dragon”.

Lançar uma sucessora à eterna “Game of Thrones” não era tarefa fácil. A oitava temporada da série criou uma divisão enorme entre os fãs, e quando terminou foi alvo das maiores críticas. Talvez por um fim tão apressado, talvez por um fim não satisfatório às expectativas criadas durante tantos anos de episódios de uma qualidade fora do normal. Certo é que, quando se falou em “House of The Dragon”, as expectativas estavam numa perfeita convulsão entre «quero ver» e «vão estragar tudo». Mas os livros já estavam terminados, era mais fácil entregar um trabalho que fosse fiel à mestria de George R. R. Martin, e assim foi.

Desde o primeiro episódio que “House of The Dragon” consegue prender o espectador. Pelo elenco, pelas caracterizações, ou pela curiosidade de conhecer a dinastia da House Targaryen, uma das mais imponentes famílias deste universo ficcional. De qualquer forma, não é assim tão complicado pegar numa fórmula de sucesso e replicá-la. E a inteligência da equipa por trás da série foi essa mesmo: fazer mais do mesmo, corrigindo alguns erros, por vezes, corre muito bem.

O material que deu origem a esta produção é mais um livro de História do que uma obra de ficção, e coube aos criadores Ryan Condal e Miguel Sapochnik, assim como ao elenco, transformá-lo em consumo ficcional televisivo. E, nesse campo – o do argumento – tudo correu às mil maravilhas.

Numa série que dá imensos saltos temporais, e altera elenco do dia para a noite, não era fácil escolher a dedo pessoas que fossem capazes de criar a sensação de continuidade, mas funcionou. De Milly Alcock a Emma D’arcy – que são, em diferentes fases da vida, Rhaenyra Targaryen -, a Emily Carey e Olivia Cooke – as actrizes que dão vida a Alicent Hightower -, a todos os jovens Targaryen que vão “crescendo” durante a série. Já para não falar das entregas incríveis de Paddy Cosgrave (rei Viserys Targaryen) ou o icónico Matt Smith (Daemon Targaryen) – que nos oferece um dos anti-heróis mais emblemáticos desta produção.

Para além do elenco de luxo, que podia ser enumerado a dedo, foi preciso saber também oferecer uma história que fosse coerente e congruente com os saltos temporais. Afinal, começamos 172 anos antes de Daenerys Targaryen e da história contada em “Game of Thrones”, e terminamos com as nossas personagens principais cerca de 20 anos mais velhas do que quando começámos.

O elenco funcionou, o enredo também. Se no início os episódios eram mais pausados, foi com o intuito de transparecer a paz que pairava no reinado de Viserys Targaryen – que terá sido um dos mais pacíficos durante mais tempo. Já os últimos episódios foram totalmente conduzidos pela urgência das emoções, pelo borbulhar de raiva e violência que eventualmente levariam ao prelúdio da famosa Dança dos Dragões.

É precisamente neste ponto em que os criadores de “House of The Dragon” – juntamente com o criador do universo, George R. R. Martin – se mostraram altamente inteligentes. É preciso saber contar a história sem se apressar o argumento. Foi preciso saber levar o espectador da paz à violência, enquanto as personagens principais atravessavam essa mudança. E foi preciso, também, ter um pouco de calma no que toca a essa violência gratuita que tanto caracterizou “Game of Thrones” no passado. Só assim se transpareceria a tão necessária “mudança de ares”.

A acrescentar ao argumento principal, existiram pormenores que certamente fizeram a diferença e ajudaram a dar corpo a esta produção. Principalmente nos primeiros episódios, os da calma e do sossego, ouvimos muitas vezes as personagens a falar em high valyrian – a linguagem utilizada na antiga Valyria no continente de Essos. A forma como cada um deles se exprime só atesta à genialidade por detrás da criação linguística: de forma bem perceptível, Rhaenyra, Viserys, Daemon e todos os demais Targaryen, e até os Velaryon, falam uma forma de valyrian quase perfeita, com dicção bem demarcada; que se opõe à forma quase curriqueira como Daenerys Targaryen em “Game of Thrones” se exprimia – a deixar bem claro a diferença de tempos, de quando a língua era falada de forma corrente ou o facto de Daenerys não ter tido ninguém para lhe transmitir esse conhecimento.

São estes detalhes temporais que acabam por ajudar também o espectador a sentir-se parte da realidade desta série.

Caraxes, o dragão de Daemon Targaryen em “House of The Dragon” | HBO MAX

Mas nem tudo são rosas, e há um ponto quase escandaloso que “House of The Dragon” falha redondamente. Numa série que tem carta verde para adicionar tantos dragões quantos queiram, são os efeitos especiais (CGI) que deixam, e muito, a desejar. Os dragões parecem lagartos, e a sua imponência, por vezes, fica perdida numa montagem ou movimento mal desenhados. Quando uma cena requer que tudo esteja perfeito, os efeitos especiais não podem falhar. É assim que o espectador, que já se vê de armadura envergada sentado num dragão, depressa se lembra que está só sentado no seu sofá. E, isso, é imperdoável.

Mal seria se tudo fosse exímio, até porque depois de um elenco maravilhoso, um argumento extremamente cuidado e curado, faz sempre falta uma falha para poderem melhorar. Especialmente tendo em conta a abastada verba que foi entregue à produção para trazer esta história ao pequeno ecrã.

Para que não se termine de forma negativa a crítica a uma série que entregou o que prometeu, falta só referenciar o talento e qualidade dos artistas de caracterização, que tão bem souberam entregar um Viserys definhado, ou um Aemond ‘Olho-de-Safira’. Talvez a equipa de efeitos especiais possa aprender algo sobre qualidade com a equipa de caracterização.

Para finalizar, e porque em Portugal quer-se o que é português, não podíamos deixar de falar sobre o quão bonita foi a transformação da aldeia de Monsanto em Dragonstone. Onde não havia mar, passou a haver. Onde a paisagem era linda e verde, passou a ser espectacularmente sombria. E aí sim, a salva de palmas é merecida.

Muito tempo faltará ainda para sermos presenteados com uma nova temporada da série, que prometem os criadores ser mais humorística do que a primeira. Mas, mais que humor, por favor, deixem os dragões dançar.