Por entre paisagens e personagens, “Codex 632” soube a pouco

"Codex 632" é uma co-produção RTP e Globoplay inspirada na obra homónima de José Rodrigues dos Santos, que invadiu os ecrãs portugueses nas últimas seis semanas. Talvez, não da melhor forma.

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Seis episódios são suficientes para contar uma história que envolve o mistério da nacionalidade de Cristóvão Colombro. Simplesmente, não desta forma.

“Codex 632” terminou na passada segunda-feira, dia 6 de Novembro, de uma forma minimamente satisfatória, mas podia ter terminado de forma brilhante, ou não fosse o sabor a pouco que cada episódio deixou.

O fio condutor que leva Tomás de Noronha, a nossa personagem principal, por esta viagem parte de uma premissa que tem tudo para ser incrível. Há uma morte, segredos que rodeiam essa morte e um professor ambicioso demais para não se envolver na proposta aliciante de seguir os passos da investigação deixada pelo seu defunto mentor.  

O problema, então, no que ao argumento de “Codex 632” concerne, reside onde? Nas pequenas coisas. Nos diálogos que parecem meio deslocados, como um vazio “sim, sim, já fui mais novo” (como dita a lei da vida). Nas conversas de muitas palavras e pouco sumo em cenas que se estendem infinitamente sem motivo nenhum para que se estendam assim. É nessa pouca urgência em cada conversa que se vai sentindo a mesma pouca urgência em relação à investigação que parece ameaçar cada vez mais a segurança de Tomás de Noronha e dos seus.

Ainda em matéria de argumento, coloca-se a questão: era mesmo necessário termos tantas histórias secundárias pouco ou nada exploradas? Era mesmo necessário colocarmos em ecrã personagens sobre as quais pouco ou nada sabemos, nem saberemos, para que elas desaparecessem tão depressa como chegaram, não permitindo ao espectador criar qualquer tipo de empatia ou relação com elas?

E na questão das personagens, damos um passo até ao elenco de “Codex 632”. Paulo Pires parece evoluir no seu Tomás de Noronha, o que é um ponto positivo, adaptando-se cada vez melhor à personagem que tem de trabalhar. Betty Faria, ainda que um tesouro da televisão brasileira, talvez tenha dado um passo maior que a perna, já que as cenas a que deu vida parecem claramente retiradas de uma telenovela no horário nobre e não propriamente no registo que se espera de uma série de ficção do género.

Já Alexandre Borges é exímio e consegue talvez ser o que melhor transparece exactamente o que lhe é pedido do seu Moliarti, provocando no espectador a necessidade de o ver perder – o que é exactamente o que é suposto sentirmos. Leonor Belo, apesar de ter pouca margem de trabalho, já que a sua personagem é, durante a maior parte da série toda, relegada à função de suporte, consegue florescer nos últimos episódios quando finalmente lhe é dado o espaço para tal.

Talvez por culpa do guião, ou da forma como tudo foi construído em “Codex 632”, é uma pena não ser fácil evidenciar o trabalho de Deborah Secco, Bia Wong ou Ana Sofia Martins, que ainda assim conseguiram construir a complexidade necessária às suas personagens para que ganhassem forma e tridimensionalidade – ainda que o produto final não permita evidências concretas dos seus trabalhos.

Não só do argumento e do elenco se faz “Codex 632”, mas também da filmografia. E se num primeiro episódio se tornaram maçudos os longos e estendidos planos de paisagem, esse compasso lento, que nem a introdução de “Canon in D” de Pachelbel, transbordou para as restantes cenas, sendo talvez o maior criador da sensação de aborrecimento numa série que era suposto deixar o espectador em estado de máximo suspense. Pachelbel é incrível, para que não haja interpretações erradas, mas não apropriado para um mistério de vida ou de morte.

Há vários momentos que fariam sentido se a série tivesse 13 episódios, se fosse uma terceira temporada de um conjunto de seis temporadas, em que de facto houvesse tempo e espaço para explorar cada uma das vidas intrínsecas destas famílias, amigos, amantes, conhecidos e inimigos que completam o mundo de “Codex 632”, mas não quando só há seis episódios e é necessário condensar tudo.

Teria sido tão mais interessante termos estado mais tempo na companhia de Tomás de Noronha a investigar todo o mistério, do que “perder tempo” na sua vida pessoal já que não a poderemos explorar mais depois do fim. A não ser que de facto se faça uma segunda temporada, mas se vier igual à primeira, a decepção daquela que poderia ser uma produção-bomba continuará, sem dúvida.

Ainda assim, “Codex 632” termina bem. Consegue encerrar o mistério, entregar as consequências a quem tem de as sofrer, os louros a quem de direito e deixar a possibilidade para continuar a seguir as aventuras de Tomás de Noronha, que certamente as tem noutras obras de José Rodrigues dos Santos.

Enfim, correndo o risco de entrar no campo do corriqueiro, a melhor forma de descrever a sensação que “Codex 632” deixa é: um orgasmo incompleto. Se no primeiro episódio ficava a promessa de um cliffhanger que se podia desenvolver num verdadeiro thriller, cada um dos restantes que passou foi ficando cada vez mais aquém daquela sensação típica de uma série onde há um mistério que coloca a vida das personagens em perigo. Esse perigo, essa sensação de stress típica de uma produção neste género de ficção, não se fez sentir, deixando um sabor amargo de “quase lá” numa série que tinha tudo para rebentar com as expectativas.