E se a pior coisa que te pudesse acontecer é seres feito de pêlo e esponja? Por causa da forma como vieste ao mundo, és relegado às franjas da sociedade e a tua existência reduzida à insignificância. Importas pouco ou nada e serves apenas como entretenimento para os programas infantis. É assim que se sentem os cidadãos felpudos no mundo de “FELP” – o nome da nova série dos criadores de “Pôr do Sol” –, que decidem criar a Frente Espectacular pela Liberdade Peluda, com o objectivo de reivindicarem direitos iguais aos das restantes pessoas.
Em estreia esta segunda-feira, 25 de Agosto, na RTP1, RTP Play e HBO Max, “FELP” traz à televisão portuguesa um imaginário onde os bonecos são parte da realidade, porém, vivem marginalizados, mesmo com vidas e profissões em tudo semelhantes às dos demais. A luta pelo respeito e igualdade, ainda que merecida, vai acabar por trazer (mais) problemas a estes amigos coloridos.
Mas de onde surge “FELP”?
Se quisermos saber a origem de “FELP”, temos de recuar quatro anos no tempo, até à época de “Pôr do Sol”. Foi durante o auge da cultura pop em Portugal deste e doutros milénios que se formou a ideia de fazer mais «uma coisa que fugisse da linha».
De um gosto comum por programas que marcaram gerações como “Os Amigos do Gaspar” ou “Os Marretas”, Rui Melo e Henrique Dias – que já tinham feito algo dentro destes universos com a encenação em Portugal da peça de teatro “Avenida Q” – pensaram que «esse poderia ser um caminho» a seguir para o próximo projecto a açambarcar de rajada os espectadores nacionais.
Tomada a decisão, era então preciso encontrar «alguém que tivesse a mesma vontade de fazer isto» que o trio Rui-Henrique-Manuel. Ao leme, novamente, da realização, Manuel Pureza desvenda que, tendo em conta a experiência dos dois compinchas com a SA Marionetas na “Avenida Q”, não havia muito que ponderar.
José Gil, Director Artístico da companhia, conta ao TV Contraluz que os seis bonecos principais foram logo criados neste primeiro contacto. Mas “Pôr do Sol” passou-lhes a perna e acabaram por «ficar guardados numa gaveta» até agora. Esse agora acabou por ser «um processo um bocado louco», tendo em conta que a SA Marionetas passa a maior parte do tempo fora do país em espectáculos e foi preciso reorganizar agendas para dar vida ao restante elenco felpudo e também dar formação aos actores que os iriam manipular.
40 marionetas com «muita técnica escondida»
«São quase 40 marionetas. Cada personagem tem três ou quatro réplicas. É preciso vestir de várias formas e caracterizar. São milhares de pecinhas cosidas à mão. Cada boneco, por dentro, tem três tipos de esponja diferentes com densidades distintas», explica José Gil. «Tem muita técnica escondida. Nunca foi feito assim.»
Estiveram várias hipóteses em cima do palco para trazer “FELP” à frente de cena. Uma delas passava pelos marionetistas manipularem os bonecos e os actores dobrarem as vozes. «Rapidamente percebemos que não funcionava», diz Manuel Pureza. «Era preciso que houvesse actores que se apaixonassem pelas personagens que estavam a representar.»
E assim acabou por ser. Com cerca de um mês de ensaios, Miguel Raposo, Rita Tristão da Silva, Romeu Vala, Susana Blazer, Cristóvão Campos, Samuel Alves, Gabriela Barros e Ana Cloe encarnam Diogo, Ana, João, Beatriz, Miguel, Rogério, Mana 1 e Mana 2 ao longo dos 12 episódios da série.
Falar a sério a brincar e o thriller erótico dos anos 90
Em “FELP”, fala-se a sério a brincar. Estes bonecos que vivem como cidadãos de segunda apenas procuram uma vida mais justa. E no meio de toda a comicidade existe uma mensagem importante a ser passada. «Há uma série de susceptibilidades se se falar de certos assuntos. Quando se põe bonecos a falar sobre isso ou quando eles são o objecto desses assuntos, torna-se ridículo – que é o que o humor faz», explica Henrique Dias.
«Quando se põe bonecos a falar sobre os problemas que se podem encontrar na sociedade e que podem, por vezes, ser difíceis de discutir em espaço público, tira-se a seriedade e consegue-se falar sobre as questões.»
O mote da narrativa parte de uma série de raptos de bonecos, sem explicação. Num ano foram 300 e só no mês passado 31. Nesse sentido, torna-se um who done it, «acrescido pelo facto de haver uma frente armada de resistência pelos direitos dos bonecos».
Para Manuel Pureza, “FELP” trouxe outras possibilidades à realização que “Pôr do Sol” não tinha, pelo facto de ser uma paródia às novelas. «Ganhámos todos uma liberdade para assumir outras referências: o noir, o thriller, até de vez em quando o thriller erótico dos anos 90».
Os humanos de “FELP”
Nem só de bonecos se faz esta série que percorre um caminho trilhado pela irmã dos mesmos pais “Pôr do Sol”. No lado humano de “FELP” poderemos encontrar Rui Melo e Diana Nicolau nos papéis dos inspetores Paulo e Sofia, encarregues de desvendar o caso dos bonecos desaparecidos. Já Cláudio de Castro e Inês Aires Pereira são Kito e Dani, os parceiros da dentista Ana e do fotógrafo Miguel. Inês Castel-Branco é a vereadora Teresa, tal como Diogo, mas a braço direito da magnata Isabel (Anabela Moreira), dona da TAPAMISTO, a maior cadeia de tapetes de luxo.
E vamos ainda ver Diogo Morgado como Noronha, advogado da causa dos bonecos; Rodrigo Saraiva como Fred, diretor de dobragens em estúdio que tem pancas; Pedro Diogo, no papel de Arlindo, o dono do snack-bar Sarampo, amigo dos bonecos e casado com Lena (Cristina Oliveira), que acha que os bonecos vêm para Portugal roubar o que é nosso; Luís Lobão como Rui, o assistente pessoal de Isabel; João Craveiro enquanto Rito, informador federado na Federação Nacional de Chibos; e ainda Toy, que faz de Toy, além de assinar e cantar o genérico da série.
Com estreia em dose dupla, “FELP” chega diariamente aos pequenos ecrãs dos portugueses durante as próximas duas semanas para passar uma mensagem de respeito e integração inserida num registo cómico a que Rui Melo, Henrique Dias e Manuel Pureza já nos habituaram.