A segunda temporada de “El Presidente” faz-se de Albano Jerónimo. Esta série antológica da Prime Video sobre a FIFA dá ao espectador um vislumbre dos bastidores da maior organização de futebol do mundo e o actor português entrega muito mais do que apenas uma personagem principal. Esta é, talvez, a interpretação da sua carreira. Certamente, é uma das que marcará o seu percurso no audiovisual.
Com Albano Jerónimo ao leme do elenco, “Jogo da Corrupção” é o nome adequadamente escolhido para esta nova temporada que, quiçá, não poderia ter estreado em melhor altura do que nas vésperas do Mundial de Futebol mais polémico de sempre. Corrupção é o tema central, não só desta temporada, mas de toda a série. E se para alguns o formato em que a história de João Havelange chega ao ecrã se torna, a determinado ponto, um pouco estranho, aconselha-se o visionamento da primeira temporada que coloca em campo a quebra da quarta parede, a narração da história e a alteração da narrativa quando o responsável por a contar assim entende.
Sergio Jadue é também um protagonista deste conjunto de episódios que dão a conhecer como o verdadeiro jogo da manipulação, da fraude, da chantagem e da lavagem de dinheiro realmente ocupou o seu lugar no dia-a-dia e no ano após ano da Federação Internacional de Futebol. Esta personagem, inspirada no verdadeiro dirigente do futebol chileno, viria a estar implicado no caso Fifagate em 2015 tal como João Havelange, embora não tenha sido contemporâneo do auge da sua carreira. Como tal, quem melhor para passar em revista os anos primordiais deste último?
Guiado por um sentido de humor único e questionando-se se terá sido mesmo assim, o espectador é levado por uma tour de países, figuras conhecidas do futebol e acontecimentos verídicos (alguns deles, pelo menos) enquanto João Havelange trilha o seu caminho para chegar à presidência da organização desportiva mais poderosa do mundo e afirma o seu lugar no meio de quem nunca acreditou nele.
A interpretação de Albano Jerónimo em “Jogo da Corrupção” é crucial para agarrar o público ao ecrã. A sua criação de João Havelange acaba também por viver muito da caracterização exímia que lhe é colocada, além de uma entrega clara, de corpo e alma, à personagem. Acredita-se, do início ao fim, que é o descendente de belgas apaixonado pelo futebol – e que se perdeu nele – que está ali à nossa frente. Do pai e marido, ao fã ou fanático, ao calculista e capanga, ao visionário e idealista.
Ao lado do actor português e de Andrés Parra, um vasto elenco encabeçado por actores como Maria Fernanda Cândido, Eduardo Moscovis e Anna Brewster dá espaço para que o ego de Havelange se agigante ao mesmo tempo que as suas próprias personagens conquistem o seu lugar de mérito nesta história que tem tanto de trágica como de cómica. Há até espaço para incluir uma rainha Elizabeth, um Hitler, um Adi Dassler e os seus descentes, a par da picardia do fundador da Adidas com o seu irmão, Rudolf Dassler, que criou a Puma.
Chega a haver um lugar no meio de tudo o que é “bola” para as questões políticas e sociais das décadas conturbadas retratadas em “Jogo da Corrupção” – das ditaduras militares e opressão dos povos, ao racismo e apartheid, passando ainda pela desigualdade de género e o simples direito ao divórcio das mulheres. Para João Havelange “futebol é futebol” e “política é política”, mas “El Presidente” faz questão de mostrar como o dirigente estava redondamente enganado neste aspecto.
Uma série não vive só da imagem – o argumento e a realização
Numa série feita de múltiplas nacionalidades e idiomas, é o sotaque do português do brasil de Albano Jerónimo que sobressai nos primeiros episódios de “Jogo da Corrupção”, e ocasionalmente à medida que os episódios avançam e que o desenrolar da narrativa leva o protagonista a outras paragens que o obrigam a usar o inglês e por vezes o espanhol. O sotaque – treinado, claro, mas ainda assim agradável ao ouvido – aliado a uma caracterização de fazer louvar e a maneirismos que fazem daquele homem no pequeno ecrã uma versão imaginada de João Havelange tornam esta temporada de “El Presidente” uma conquista no que ao visual diz respeito.
E porque não só da imagem vive uma série, também o argumento e a realização têm a sua quota parte de importância. “El Presidente” marca a estreia de Armando Bó na criação, realização e guião televisivos. O argumentista argentino, conhecido pelo filme “Birdman”, que lhe valeu o Oscar de Melhor Argumento Original em 2014, pinta a essência dos esquemas milionários nas quatro linhas do ecrã de forma única, captando a atenção do público com pormenores que um simples piscar de olhos pode fazer perder os remates certeiros de uma história intricada e cheia de reviravoltas ao último minuto.
Assim, chega-se ao derradeiro episódio com a sensação que se percorreu a maratona ao lado de João Havelange, que conquistou o que sonhou e sonhou o que conquistou. Mostrando como o “futebol é política e a política é futebol”, “El Presidente” capta a essência do que o mundo do futebol se transformou com o passar das décadas sem nunca se tornar aborrecida. Muito pelo contrário. São tantas as pontas por onde ainda se pode pegar que o difícil será escolher qual o próximo “alvo” a escrutinar na aposta da Prime Video.